terça-feira, 15 de novembro de 2011

NARRAR O PASSADO, REPENSAR A HISTÓRIA:
Historiografia no Brasil

“(...) sim, a história não é senão respostas as nossas indagações. Porque não se pode, materialmente, fazer todas as perguntas, descrever todo o porvir, e porque o progresso do questionário histórico coloca-se no tempo e é tão lento quanto o progresso de qualquer ciência; sim a história é subjetiva, pois não se pode negar que a escolha de um assunto para um livro de história seja livre.”
Paul Veyne.

Desde o nascimento da historia como simples relato da memória estabelecido pelas testemunhas que viram ou ouviram dizer, fizeram da escrita da historia criação do seu próprio passado. Até ela se tornar ciência no século XIX muita coisa se desenrolou nesse campo do saber. Da historia como simples narração dos acontecimentos e dos feitos dos homens concebida por Heródoto que não tinha ansiedade com a verdade, ou alguma preocupação em saber se aquilo que lhe foi relatado condizia com a verdade ou até que ponto o relato era aceitável. Porém Heródoto introduziu no estudo a imparcialidade como marca principal da produção do conhecimento histórico feito pelo historiador. 
Da história que narrava apenas acontecimentos pautados na memória e que narrava os fatos verdadeiros e a história como Mestra da Vida idealizada por Tucídides, historia do presente que serviria como exemplo e para ensinar as gerações futuras. Teve-se, portanto uma inquietação em tentar fazer uma historia que viesse a se tornar um modelo para o futuro. A História concebida então seria feita no presente para responder aos anseios do futuro. Essa história como Mestra da Vida perduraria até o séc. XIX quando seria feita uma historia bem diferente desta por Ranke.
Ranke inicia a construção do oficio do historiador no séc. XIX com uma preocupação em relatar a Verdade, cria-se um método, tornando a história uma Ciência. A produção de um saber histórico nada mais era do que narrar o que tinha nas fontes, transcrever o documento, este falava e apenas ele. Toda a interpretação ou analise do historiador era proibida, ele tinha que se apagar perante as fontes. Havia um culto aos documentos, e o oficio do historiador ainda era apenas relatar os feitos das ‘Elites’. O homem comum era deixado de lado, nada era falado do escravo, da mulher ou daqueles que levavam uma vida mais sossegada, mais comum.
Apenas no inicio do séc. XX é que estes excluídos foram ouvidos e começaram a ganhar voz e a ter um espaço dentro da história. Os Annales romperam com o culto ao documento e com a colocação de historia feita apenas por homens da elite. Estes procuram elementos para a compreensão do mundo através de estudos da vida cotidiana, da arte, das relações sociais, da economia, das pessoas simples. O principal meio agora e a critica das fontes. O historiador tem que interpretar os documentos não mais transcreve-los, escolhendo um objeto e indo buscar respostas.
Os marxistas também contribuíram e muito para a evolução da História, adotando o método dialético, Marx e Engels criam o alicerce do materialismo histórico, onde todas as mudanças na história seriam causadas pelo fator econômico e pelas diferenças entre as classes sociais. Marx dizia que “as causas das mudanças sociais e das revoluções políticas deve ser procurada na vida material da sociedade, no encaminhamento da produção e das trocas".
A historia então seria a interpretação de um texto feito no passado, para através disso se construir uma narrativa a cerca da representação e de como poderia ter sido o acontecimento que ocorreu no passado. E o oficio do historiador é muito mais serio, e mais importante. Ele tem a responsabilidade de não deixar se perder a memória do homem. E dar respostas às ânsias do presente. Procura dar sentido a angustia do tempo atual.
Toda a busca do saber e a construção do conhecimento por parte do historiador influência o homem por mais que ele não queira. Então quais discursos que inventaram e moldaram a mentalidade do historiador no Brasil e que inventaram a imagem do Brasil. Qual influencia, e quais discursos que podem reconhecer o local de fala do historiador no Brasil?
Quem no Brasil faz e escreve a História? Por que se persisti com esse procedimento de reescrever sempre a história? Reis nos responde que é pela particularidade do objeto escolhido pelo historiador, por ele ser algo tão individual e próprio de cada um. E como o homem é um ser que se modifica no tempo a história precisa ser refeita para se adequar ao surgimento de novos anseios.
Também pelo fato de que o conhecimento histórico muda, e novas técnicas, novos conceitos e teorias de abordar o passado vão aparecendo, cunhando novos conhecimentos e redefinindo os já existentes, e o tempo presente muda, e nesta mudança o passado e o futuro são constantemente rearticulados. (Reis, 1999, pág. 9). Isso obriga reescrever a historia. Pois “a história é a ciência dos homens no tempo” (Bloch, 1997).
No séc. XIX para o XX o Brasil se modifica. Troca-se a forma de governo, um rei é ‘derrubado’ e junto à monarquia. Instaura-se a republica e o sistema presidencialista. Destarte tem a necessidade de reescrever a história do Brasil, já que novas problemáticas vão surgindo. Se outrora eram estrangeiros quem escrevia a nossa história, agora ela será encarregada de ser reescrita, refeita pelos intelectuais brasileiros. Gilberto Freyre, Capistrano de Abreu, Sérgio Buarque de Holanda, Caio prado Jr. Estes farão à reconstrução da História Nacional com uma sensibilidade única e privada, agora com o olhar dos brasileiros sobre o Brasil.
  Pois a história do Brasil até o começo do século XX era escrito por historiadores estrangeiros, o grande desafio para o historiador naquele momento era de construir um discurso na qual a História teria um método universal, e através deste conseguiria chegar a “verdade” dos fatos ocorridos.
A fonte sempre foi o ponto principal “único” para os positivistas criarem todo o enredo descricional da realidade de um tempo dado, toda a “fantasia” era extremamente repudiada, ela estava circunscrita ao oficio artístico, não poderia existir em uma ciência histórica espaço para tais devaneios. O método capaz de capturar a “verdade”, e o aprendizado do ofício do historiador estava dentro das universidades, no qual o decente ao término do curso sairia com status de cientista.
Apartir da década de 30 no Brasil, a histografia nacional ganha fôlego e representação através de ícones marcantes, com obras de muito valor, principalmente para o desenvolvimento de uma historiografia própria, escrita por sua maioria por autores não “cientistas da História”, no qual sofreram grande influência das tendências estrangeiras, principalmente Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior.   
O primeiro, dos fundadores da Escola dos Annales, que tinha uma proposta historiográfica divergente da positivista, o segundo a influência alemã weberiana, e apesar das divergências de interpretação do Brasil colonial, a abordagem interdisciplinaridade fortemente marcada pela Antropologia e pela Psicologia está presente nos dois autores.
Caio Prado está mais a “esquerda” dos primeiros, sua metodologia baseava-se numa leitura livre do marxismo, ele abandonava a busca por um “caráter nacional”, a abordagem culturalista, para analisar a evolução política sob as condições econômicas e sociais, das lutas de classe e das contradições gerada pelos processos históricos, antecipando uma tendência da historiografia nacional da década de 60.
Casa grande e senzala de Gilberto Freyre e um marco e uma referência para historiografia brasileira nela pode-se encontrar elementos dessa proposta dos Anais pauta numa história globalizante levando em conta aspectos diversos e os grupos sociais que compunham a sociedade colonial dentro do engenho. Ela vai além das perspectivas e apresenta já em suas obras abordagens da segunda geração dos Anais, como os conteúdos da casa que tampouco foram negligenciados. Na década de 60, Braudel escreveu passagens famosas sobre a história social de cadeiras e mesas. Na década de 30, Freyre refletiu sobre a história cultural da rede e da cadeira de balanço, símbolos da voluptuosa ociosidade que os brasileiros em geral - ele sugeriu - herdaram dos colonos de Pernambuco(cf. Freyre, 1933; 1937, p. 219).
Sérgio Buarque em Raízes do Brasil foi pioneiro ao utilizar os conceitos weberianos, na construção de um discurso do Brasil colonial, pautado na  incapacidade de organização social e na inclinação à anarquia e à desordem, em  outras obras também essa influência weberiana de conceitos é notória, como a utilização do patrimonialismo para descrever as relações politicamente promíscuas entre o Estado, os governos e as classes dominantes.
As contribuições dos três foram e ainda permanece muito importante para a construção de uma historiografia nacional de qualidade, engrandecendo a epistemologia nacional e influenciando autores de grande importância principalmente para um “redescobrimento” do Brasil, autores tais como Boris Fausto influenciado por Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda, autor de: Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo, trabalho urbano e conflito social, a historiadora Emilia Viotti da Costa foi influenciada por Caio Prado, autora de: Da senzala a colônia, A abolição. Gilberto Freyre influenciou  Luiz Felipe de Alencastro Autor de: O trato do viventes: formação do Brasil no Atlântico sul, séculos XVI E XVII e organizador da: História da vida privada no Brasil, vol. II a corte e a modernidade nacional, sem citar outros grandes historiadores influenciados pelos três.  
Gilberto Freyre que foi estigmatizado e combatido durante muito tempo, principalmente após 1964 por seu conceito chave ”o idílico cenário da democracia racial no Brasil” está sendo revisado com outros olhares, esse novo olhar também está se voltando para o Sérgio  buarque e para Caio Prado.

Referencias Bibliográficas


BLOCH, Marc.  INTRODUÇÃO À HISTÓRIA. Publicações Europa-América, 1977. 289p.
                                                                           
Jenkins, Keith. A Historia Repensada. 1º Edição. Editora: Contexto, 2001. 128 p.

MORAIS, José Geraldo Vinci de. E REGO, José Marcio. CONVERSAS COM HISTORIADORES BRASILEIROS. São Paulo: Ed. 34, 2002. 400p.

REIS, José Carlos. AS IDENTIDADES DO BRASIL: de Varnhagen a FHC. 2ª edição. Rio de Janeiro: editora FGV, 1999. 278p.


Professor Rubens Aguiar
Graduado em História Pela Universidade Estadual de Goiás

Professora Thaís Lopes
Graduada em História Pela Universidade Estadual de Goiás

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