terça-feira, 15 de novembro de 2011

Apontamentos historiográficos
 Rubens Ponte Aguiar

 
“O inacabado se tende perpetuamente a ultrapassar-se, tem, para todo o espírito ardente, uma sedução que vale bem a do perfeito êxito!” Marc Bloch

É notório que desde os primórdios do surgimento da historia, sua historiografia está em volta a problemas. Primeiro não se conseguia entender como os maiores filósofos e sábios gregos, que foi onde nasceu à história, não tinham uma inquietação em relatar fatos, coisas e discussões consistentes, acerca de explicação do passado ou de sua origem. De fato no inicio eles não usavam a razão para este fim. Não se importavam em aceitar a explicação de seu passado pelos mitos, isso era o normal – se utilizarem dos mitos para explicar o surgimento das coisas. Aliás, o mito era a mestra do grego, tudo era feito baseado no mito. Por isso o passado distante ou próximo não era importante.
Sabemos que num dado instante Tucídides, levanta e olha mais além e constrói algo diferente, faz sua história, deixando sua marca na eternidade. Todo o historiador tem que ter dentro de si algo que os impulsione, algo que Tucídides tinha: de enxergar num horizonte próximo o que nos possibilita elaborar um feito grandioso que ninguém fez, pois cada olho vê de um modo distinto.
O interesse, a dedicação, a plena observação, isso leva a elaboração de um trabalho que poderá se tornar bom. Hoje a história não caminha mais só, mas ela ainda fascina pela sua superioridade e também no fato de se ter que elaborar projetos sistemáticos, na construção de uma história melhor e mais ampla, que nasce de um trabalho histórico muito particular aos olhos do historiador, de um anseio individual. A história nasceu como explicação do tempo, da preocupação de um homem com a sua sociedade – este homem era Heródoto de Halicarnasso, queria que todos ficassem sabendo dos acontecimentos que os cercavam. Cada historiador traz sua forma particular nem sempre nova, mas única para explicar os fatos.

Assim, pensamos o tempo na sua multiplicidade e antagônica probabilidade, o tempo de um lugar é diferente em outro. As opiniões e visões do mundo feitas com base em narrativas militares e econômicas, hoje estão sendo substituídas por uma história mais abrangente, que sai apenas do campo militar e começa a atuar entre todas as áreas do saber.
Os historiadores abriram os olhos e viram que o passado, a história que estavam fazendo não era tão diferentes das que já existiam, e sentiu então a ânsia, a agonia de proporcionar aos seus pares e ao mundo algo novo. E tiveram que brigar muito. Quando surge uma nova idéia indo contra as idéias tradicionais a muito enraizadas é difícil libertar, mas obtiveram êxito, um exemplo foram os franceses.
Há na história uma construção nova, um novo meio de estudar as fontes para se compreender os acontecimentos. Colocaram os pés no chão, e viram que era preciso procurar um novo caminho, e nas contraditórias expectativas, nos ensinaram a reconstruir o passado e perceber o futuro vendo o que está próxima e longe. Assim como Tucídides, os pais da nova história pensam de modos diversos o tempo nas suas variadas concepções.
Febvre, Bloch, Lê Goff, Braudel e Foucault, deram um gama de contribuições para a ampliação do campo da História e para a sua reformulação. Ampliando seu espaço e fazendo críticas para a história se auto-rever, e procurar se modificar, evoluir, pois perdia espaço para a antropologia e sociologia. Hoje, a história continua muito forte.
A base documental, as fontes de pesquisa que de certo modo eram limitadas pelo tipo de abordagem metódica, e quase única que era utilizada, ampliaram-se com os novos caminhos. As fontes iconográficas ganhavam importância, os mapas, gravuras, quadros se tornam um novo instrumento de trabalho do historiador. Contudo, tem que ter atenção e cuidado ao trabalho com estes materiais. Utilizando a fotografia e o cinema também se faz à história. O mais difícil instrumento de ser usado no séc. XXI o mundo solto da internet, um caminho que parece fácil, mas qualquer deslize vai tudo por água a baixo, e o trabalho se esfacela.
Um novo caminho que a história percorre é a literatura, algo que poderia ser impensável, hoje é realidade. A história utiliza e se apropria da ficção, rompendo com os métodos de conceber história. O antigo jeito de se construir história foi vencido, contudo ainda temos muito conservadores, O que mostra que a velha história não morreu apesar de esta enfraquecida, ainda está presente.
Desta forma, nasceu a certeza de que a abertura histórica e a construção da história, apesar de ardo o trabalho, foram feitas pelo e para dar prazer para quem faz e lê.  E que apesar de escritas com seriedade, também podem ser agradáveis.
Hoje excelentes historiadores cativam com uma história que foi feita com suor, dedicação e com muito empenho. Alguns dos importantes nomes da história são: Caio Prado Junior, Serio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, José Murilo de Carvalho, Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel, Robert Darton, Fhilippe Ariés, Hobsbawm, e muitos outros que com suas obras vem conquistando cada vez mais o mundo. Estamos cercados de pessoas que tem dedicado a vida a fazer uma boa história e uma história fascinante, com brilhantismo e luz.
Apesar de tantas criações, sempre fica algo para ser feito e ser refeito, porque o passado jamais poderá ser representado no seu todo. Sempre ficará buracos e brechas, daí sempre precisará de um trabalhador para tampar os buracos, e este trabalhador incansável que nunca para é o historiador. A mais brilhante, porém, difícil profissão é a história, que caminha com essa dicotomia. O homem tem dentro de si essas tendências contraditórias, sempre existiu e existirá dentro e fora do historiador. E na procura de algo diferente é que a história procura respostas para as perguntas que se perpetuam.
"A história se apresenta, hoje como uma ciência em plena evolução” [1].  É isso que está acontecendo, ela pretende transformar-se em ciência. Isso talvez não mude a forma com que ela é feita, mas da dentro da Academia é uma força a mais. Pois com tantas outras disciplinas almejando ocupar o lugar da história, a sua transformação “oficial” em ciência vem reforçar o domínio que a história segurava e que se enfraquecia.
Com os novos caminhos tem um campo maior de trabalho histórico. Porque não atrelou o pesquisar em história a nenhuma teoria que ele deveria seguir a risca, mas sim abriu as portas para uma multiplicação de novos estudos e terras nunca antes visitadas pelo historiador. Bloch e Febvre tentaram fazer uma história total do homem, elaborando uma história problema e daí buscar respostas. Atualmente quando se inicia um trabalho, procura-se um problema para então dar uma resposta, que às vezes não é satisfatória.
A pesquisa se inicia pela iniciativa do próprio historiador, e com uma luta diária com as fontes.  Não sei se o fato de agora tudo ser história é bom ou ruim. “O campo da história e, pois inteiramente indeterminado, com uma única exceção: é preciso que tudo o que nele se inclua tenha realmente acontecido” [2]. E todos esses acontecimentos tenham como ser comprovados que realmente ocorreram, e isso se faz através dos documentos. E o historiador só procura a “verdade”, pelo menos a sua.
Enfim, é isso, e tudo por causa da “revolução” historiográfica, que em parte foi idealizada pelos franceses, é que hoje podemos trabalhar de modo livre com o que nos interessa. Devemos grande importância deste feito aos annales e a sua explosão pelo mundo. A nova história nasceu da inquietação de alguns homens, mais precisamente de Febvre e Bloch, que queriam algo diferente. Estavam fadados com o que vinha sendo feito. Rompendo com a tradicional e fizeram do mundo privado, particular, a nova história, na revista dos Annales. Este serve como uma sondagem inicial da nova história. A história seduz, como uma bela mulher, que tem no olhar e nas belas e infinitas curvas a arte de dominar. A história domina todos a sua volta. A história é uma extensão da nossa memória e da nossa imaginação, mas com certo limite. Porém, além (dela) ser tudo isso é também outra coisa, porque a História é tudo, e sendo tudo está em todos.


Referências Bibliografias

BLOCH, Marc. Introdução a história. Tradução: Maria Manuel; Rui Grácio; Vitor Romanaeiro. Publicações Europa-America, 1997, 289p.

BURKE, Peter. A escola dos annales: 1929-1989. A revolução Francesa da Historiografia. Tradução: Nilo Odalia. São Paulo. Fundação Editora da UNESP, 1997, 154p.

CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da historia: Ensaios de teoria e a metodologia. Rio de Janeiro, Edit. Campos, 1997, 508p.


LE GOFF, Jacques, A historia Nova. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo. Martins Fontes, 1998, 318p.

OAKESHOTT, Michael. Sobre historia e outros Ensaios. Tradução Renato Rezende. Rio de Janeiro. Riberty Classics/Top Books. 2003, 292p.

REIS, Jose Carlos. Escola dos annales: A inovação em historia. Editora paz e terra, 2000, 193p.

REIS, Jose Carlos. Historia e Teoria: historicismo, modernidade e temporalidade e verdade. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003, 248p.

VEYNE, Paul. Como se Escreve a historia e Foucault Revoluciona a historia. Tradução: Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília. Edi. UNB, 1998, 285p.


[1] Ciro Flamarion Cardoso e Heitor Perez Brignoli:conclusão o que é a Ciência hoje?IN Os métodos da historia pp.39
[2] Paul Veine:Tudo é historia,logo a historia não existe:in Como se escreve a historia e Foucault revoluciona a historia.pp.25

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